Sistemas de Valor Agregado: a hora e a vez de repensarmos os projetos complexos no Brasil

Organizações que gerenciam programas e projetos complexos precisam ampliar as suas competências de gestão no sentido de reduzir os riscos inerentes à execução dessas iniciativas

Sistemas de Valor Agregado: a hora e a vez de repensarmos os projetos complexos no Brasil

Programas e projetos complexos se desenvolvem sob a influência de fatores diversos. Além de demandas específicas, relacionadas a tecnologias, recursos humanos, materiais, produção, fornecedores, sistemas de informação, financiamento, tributos, contabilidade, meio ambiente, prazo ou gestão, entre outros, se realizam em um contexto de pouca estabilidade política e econômica, gerando incertezas, dificuldades e enormes desafios para a obtenção dos objetivos econômicos e sociais planejados por organizações públicas ou privadas.

Na esteira dos resultados desses empreendimentos, por vezes aquém do esperado, estudos têm sido realizados com o objetivo de identificar as principais causas de tais resultados, os impactos gerados e possíveis soluções. Conclusões desses estudos indicam, entre as causas usuais de insucesso, os processos de gerenciamento de projetos conduzidos ou estabelecidos de forma inadequada.

Como exemplo, o Relatório da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC, 2018) indica que a paralisação de obras públicas pode ter bloqueado investimentos de até 143,7 bilhões de reais (3,3% do PIB), além dos benefícios duradouros no longo prazo de até 1,21% no PIB, equivalente a R$ 78,9 bilhões por ano. O citado Relatório conclui, indicando entre os obstáculos a serem superados, a “má qualidade e gestão dos projetos”.

Tais preocupações não são recentes. Em 2006 a PETROBRAS indicava diversas causas de problemas semelhantes em seus projetos de Engenharia e Construção, como a falta da cultura de planejamento e controle, a deficiência de gerenciamento de empresas contratadas, dentre outras, na apresentação “EPC no Brasil – Principais Gargalos”, no Workshop “Centro de Excelência em EPC” promovida pelo PROMINP (Programa da Mobilização da Industria Nacional de Petróleo e Gás). Adicionalmente, relatórios[1] e Acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU) versam sobre melhorias na gestão de projetos públicos, especialmente no monitoramento e controle de custos incorridos ao longo da execução desses empreendimentos[2].

Tais situações são recorrentes e indicam a clara necessidade do desenvolvimento de competências e, principalmente, de novas abordagens relacionadas ao gerenciamento de programas e projetos complexos.

Escala de Complexidade em Projetos

Exemplos de projetos complexos são mais comumente encontrados na área de defesa, conforme resultado de análise realizada pelo Helmsman Institute. Feita por solicitação da Agência do Governo Australiano DMO (Defence Material Organisation), em 2008-09, a análise compara o grau de complexidade de projetos de setores como defesa, mineração, energia, infraestrutura, finanças e telecomunicações e outras áreas do setor público.

Na escala de medição do Instituto, a complexidade média dos projetos das grandes organizações australianas foi de cerca de 5,1 sobre 10, enquanto os projetos de defesa apresentaram complexidade média de 6,3 sobre 10, cerca de 24% acima. Este resultado sugere   que um caminho na busca por novas abordagens gerenciais para programas e projetos complexos, passaria pelo entendimento dos métodos e processos adotados no setor de Defesa, e, a partir daí, serem estabelecidos modelos e padrões gerenciais que possam ser aplicados para o benefício dos programas e projetos complexos dos demais setores.

Melhores Práticas no Gerenciamento de Programas e Projetos Complexos

Segundo o Banco Mundial (2018) o orçamento militar dos EUA totalizou US$ 649 bilhões, representando 36% de todo orçamento militar mundial (US$ 1,7 trilhão) e 160% acima do orçamento do segundo colocado, a China (US$ 250 bilhões). Tendo em vista o volume de investimentos e o conhecido poderio militar norte-americano, esse país será aqui utilizado como referência para essa discussão.

Nos EUA, o gerenciamento dos programas e projetos de defesa é integralmente baseado na norma ANSI/EIA-748 EVMS (Earned Value Management Systems), denominado “Sistema de Gerenciamento do Valor Agregado” (SGVA) no Brasil. De fato, esta norma é uma evolução de métodos de gerenciamentos de projetos militares que foram aprimorados a partir do projeto do míssil nuclear “Minuteman”, na década de 60. Tal conhecimento, inicialmente restrito apenas às Forças Armadas, ganhou capilaridade na Indústria norte-americana a partir das parcerias estabelecidas nesses projetos, e foi a base para o desenvolvimento da referida norma, publicada em 1998 pelo ANSI (American National Standards Institute) e pela EIA (Electronic Industries Alliance).

Desde então, o uso do SGVA tem se ampliado intensamente. Diretrizes governamentais emitidas pelo Escritório de Gestão e Orçamento (Office of Management and Budget – OMB) dos EUA tornaram mandatório o uso da norma em grandes investimentos (programas) da área pública. Além do Departamento de Defesa (Department of Defense – DoD) e demais Departamentos (Energia, Transportes, entre outros), a NASA e Agências Federais também passaram também a garantir, por meio de cláusulas contratuais específicas, que as empresas envolvidas nos programas dessas instituições estabeleçam diretrizes e práticas gerenciais que estejam em conformidade com a citada norma.

Características do SGVA

O SGVA proporciona maior rigor e direcionamento efetivo da integração dos processos de planejamento e controle, em especial no que se refere a integração dos processos usualmente tidos como centrais nos projetos complexos, quais sejam, os que tratam de escopo, qualidade, prazo, custo, risco, recursos humanos (e a organização), materiais, mudanças e relatórios de monitoramento e controle de desempenho do programa, além das previsões de término. A adoção do método requer comprometimento e envolvimento das partes (contratante e contratada) e transparência dos dados coletados ao longo da execução do programa.

O SGVA estabelece seus processos de planejamento e controle através de 32 diretrizes (processos) agrupadas em 05 categorias ou macroprocessos: “Organização”, “Planejamento e Orçamentação”, “Considerações Contábeis”, “Relatórios de Análise e Gestão” e “Revisões e Manutenção de Dados”. Uma característica inerente ao gerenciamento com base no “valor agregado” é o monitoramento do desempenho e do progresso do programa através de índices calculados com base nas relações entre os custos agregados, planejados e reais.

Por sua natureza, o SGVA é considerado uma ferramenta importante na mitigação dos riscos de sobrepreço/superfaturamento e dos consequentes riscos legais e econômico-financeiros. Nesse sentido, a transparência das informações de custos/contábeis possibilitada pelo SGVA atende com plenitude o definido na legislação (por exemplo, a Lei nº 13.303/2016, destacando-se a Seção II – Disposições de Caráter Geral sobre Licitações e Contratos) e as recomendações dos Órgãos de Controle da Administração Pública Federal, em especial o Tribunal de Contas da União (TCU), atinentes ao acompanhamento de programas e projetos no âmbito público[3].

O uso do SGVA é reconhecido como essencial pelo Departamento de Defesa norte-americano, que o considera a melhor ferramenta disponível para gerenciamento de programas. Por sua vez, a National Defense Industrial Association (NDIA), recomenda o SGVA para todas as iniciativas onde há demanda para a entrega de um produto ou outro objetivo mensurável.

O SGVA e o Gerenciamento de Programas e Projetos Complexos no Brasil

Os processos do SGVA são compatíveis e complementares aos processos contidos no “Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos” ou Guia PMBOK (Project Management Body of Knowledge), desenvolvido pela Project Management Institute (PMI) dos EUA. No entanto, ao contrário do SGVA, a estrutura apresentada no PMBOK não foi desenvolvida e nem está detalhada para atender de forma objetiva, os requisitos e demandas centrais dos programas e projetos complexos.

Apesar disso, o PMBOK é utilizado no Brasil como referência principal para o gerenciamento de programas e projetos complexos por organizações de grande destaque, como, por exemplo, o Exército Brasileiro e a PETROBRAS. Dessa forma, há um paradigma gerencial já estabelecido a partir de premissas discutíveis.

Por outro lado, há uma oportunidade de melhoria dos métodos de gerenciamento de programas e projetos complexos no Brasil, tão importantes para o desenvolvimento do país, casos esses sejam pensados a partir de referências compatíveis com o tamanho dos desafios a serem enfrentados.

Considerações Finais

O SGVA proporciona maior rigor e direcionamento efetivo da integração dos processos de planejamento e controle, em alinhamento com as melhores práticas de gerenciamento de projetos complexos e de governança.

Verifica-se também o favorecimento à prestação de contas e responsabilização sobre o programa junto aos órgãos de controle, a partir de informações objetivas sobre a sua execução (rastreabilidade), uma vez que o método se ampara em um controle de custos rigoroso, o que também garante o uso mais eficaz e eficiente de recursos públicos, principalmente em momentos de maior instabilidade econômica e/ou política.

Por estas razões, mais do que nunca é a hora e a vez de repensarmos os projetos complexos no Brasil. Com maior transparência das informações e maior controle sobre os resultados planejados, o SGVA é a ferramenta para incrementar a taxa de sucesso dos grandes empreendimentos no Brasil, colaborando diretamente na mitigação de riscos inerentes à execução dessas iniciativas.


[1] Ver Relatório FISCOBRAS 2019.

[2] Ver, como exemplo, o Acórdão nº 1771/2013 (TCU – Plenário).

[3] Ver, em especial, o Acórdão nº 543/2016 – TCU – PLENÁRIO, que recomenda o uso da técnica do valor agregado em projetos militares.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

AUTOR(ES)

  • Sistemas de Valor Agregado: a hora e a vez de repensarmos os projetos complexos no BrasilFábio Dias Bahia
  • Consultor Sênior da FGV-Projetos e professor convidado da FGV-Management em cursos de pós-graduação desde 2005, tendo atuado nas áreas de gerenciamento de projetos, gestão de riscos, gestão do conhecimento e governança, em segmentos variados como saúde, óleo e gás, transporte, automobilístico e defesa. Por 17 anos atuou como gerente e engenheiro em empresas como IBM, Motorola e Embratel. Mestre em Sistemas de Gestão pela UFF, pós-graduado em Engenharia de Telecomunicações pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA e em Engenharia Econômica e Administração Industrial pela UFRJ, Engenheiro Eletricista com ênfase em Telecomunicações pela UFF. Certificado Project Management Professional pelo PMI, EUA.

  • Sistemas de Valor Agregado: a hora e a vez de repensarmos os projetos complexos no BrasilMauricio Gouvêa Silva
  • Consultor Sênior da FGV-Projetos em gerenciamento de projetos (gestão de riscos, governança corporativa, planejamento e controle, conformidade, etc), com cerca de 30 anos de experiência em projetos para os mercados corporativo e governo nas áreas de Infraestrutura, Telecomunicações, Defesa, Arquitetura, Transportes, Econômico-Financeira, Tributária/Fiscal, Concessão e Parcerias Público-Privadas, Tecnologia da Informação e Comunicação e Educação a distância, entre outras. É Engenheiro Eletrônico graduado pelo CEFET – RJ, com mestrado em Tecnologia também pelo CEFET-RJ e pós-graduado em Redes de Computadores pela UFRJ. É certificado como Project Management Professional (PMP) pelo Project Manager Institute (PMI – EUA) e possui as certificações CPM-100, CPM-200, CPM-300 e CPM-400 em Earned Value Management Systems pelo College of Performance Management (CPM – EUA).

Fonte: porta.fgv.br

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